“O que é essa tal de bioenergia?” Parte 1 : A Energia na Psicoterapia

Está lá no próprio nome da abordagem: “Análise Bioenergética”.  Sendo um termo que dá nome a esta forma de terapia, deve se referir a algo importante, não?  De fato é importante, importantíssimo talvez, tanto na prática como na visão geral de saúde sustentada pela Análise Bioenergética.  Porém também é um termo que traz muita confusão e mal entendido, dentro e fora do universo da psicologia. 

Vamos começar esclarecendo algo de uma vez por todas: o termo “bioenergética” foi paralelamente empregado por diversas terapias “holísticas” ou “alternativas” (péssimas expressões, eu sei, mas por hora vão ter de servir…) para falar de fenômenos energéticos de uma forma ou de outra que em maior ou menor grau podem envolver o corpo, mas sem nenhuma relação direta com a tradição da Análise Bioenergética.  Destaque para “análise”, que distingue o uso do termo “bioenergética” dentro de uma desdobramento enraizado longinquamente na tradição psicanalítica inaugurada por Sigmund Freud, pai da psicanálise.  Não tenho nada contra nenhuma abordagem “holística” (aff, que termo… toda terapia não buscaria ser “holística” de alguma forma?), mas acho importante informar e educar sobre o lugar da Análise Bioenergética no rol das terapias, e voltando para o nosso tema, ajudar a chegar numa possível compreensão dessa tal de “energia” que estamos tratando. 

A ideia de uma “energia psíquica” está presente desde o início da psicanálise, que Freud eventualmente batizou de “libido”.  Freud via os sintomas histéricos de suas primeiras pacientes como um bloqueio ou desvio na capacidade de descarregar um quantum de energia de forma adequada.  Por está descarga não ocorrer pelas devidas vias, um sintoma neurótico surgia.  O movimento energético é acompanhado de uma liberação de emoção.  Assim, possibilitar uma expressão emocional seria em paralelo possibilitar uma descarga energética.  Essa energia teria uma qualidade “sexual” por se tratar de uma excitação experienciada por todo o corpo, e os desvios e percursos dessa energia no amadurecimento psíquico e físico seria responsável por todo o padrão de personalidade e defesa emocional de um indivíduo.  A forma que o “ir e vir” dessa energia se organiza num organismo seria pensada como uma “economia sexual”.

Curiosamente, o próprio Freud começa a se afastar deste pensamento “econômico”, focando seu trabalho mais numa compreensão dos conteúdos psíquicos, o que viria ser uma grande construção teórica que ele chamou de “METAPSICOLOGIA”, com paralelos intencionais ao termo filosófico metafísica.   Essa “metapsicologia” poderia ser explicada como uma “psicologia das ideias”, menos interessada nos processos econômicos da energia corporal.  Coube a Wilhelm Reich, pai da psicoterapia corporal e então colaborador de Freud, a explorar mais a fundo o que seria essa tal energia e como trabalhar com ela na terapia. 

O conceito de energia em Reich é algo que se desenvolve em vários capítulos; mas por uma questão de foco, vamos aos poucos, nos concentrando neste momento da sua pesquisa em que Reich veio a estabelecer com a “teoria do orgasmo”.  “Oi?”.  Isso mesmo! Vamos lá: Reich entendia a “libido” de Freud como uma “energia viva”, uma energia real que se organizava num indivíduo seguindo as restrições e particularidades de seu caráter.  O caráter, como é pensado na linguagem da terapia corporal (e não do senso comum) seria o padrão básico de organização da personalidade de um indivíduo, que fala sobre suas principais defesas emocionais e organização corporal, e também sua forma padrão de se regular energeticamente.  O caráter aponta para os principais bloqueios dessa energia vital, e a capacidade de fluir e expandir seria um marco de saúde no organismo.  Reich observou a relação que existe entre a capacidade de fluir emocionalmente e fisicamente e a descarga de sentimentos e sensações durante o ato sexual.  Os bloqueios que são gerados a partir das experiências passadas de um individuo em seu desenvolvimento impedem uma descarga completa e assim impossibilita a realização de um orgasmo completo, profundo e satisfatório.  Esta possibilidade de descarregar a energia num orgasmo profundo seria a principal forma de restaurar uma regulação energética saudável num organismo, propiciando uma melhora geral dos sintomas emocionais.    

Imagino que possa estar surgindo várias questões neste momento.  O que seria esse “orgasmo profundo, completo”?  Como trabalhar estes bloqueios? Seria essa a resposta para todas as formas de sofrimento psíquico? Vou me contentar em dizer que há quase cem anos os psicoterapeutas corporais vem desconstruindo e trabalhando em cima destas questões, e que em algum momento posso desenvolver minhas próprias opiniões sobre estes temas por aqui.  Mas não agora.  Voltemos à energia. 

Reich realmente pareceu ter ficado obcecado em compreender esta “energia vital”, e cada vez mais foi focando seu trabalho e pesquisa nessa busca.  Eventualmente, chegou a rebatizar esta energia com o nome de “energia orgone”, que não só se manifestava nos organismos vivos, mas seria também uma espécie de energia cósmica primordial, que poderia ser canalizada para fins terapêuticos.  Esta parte da obra de Reich, apesar de muito interessante, tende a atrair muitas críticas e desconfianças.  Deixemos esse debate para outro momento, e foquemos em como a energia veio a ser pensada como a “bioenergia” da Análise Bioenergética.

A Análise Bioenergética surge em meados dos anos 1950 nos Estados Unidos por um pequeno grupo de terapeutas que haviam recebido treinamento de Reich, sendo que destes o nome que se destacou na história é o de Alexander Lowen.  Enquanto Reich decide voltar sua atenção para a pesquisa e desenvolvimento da energia orgone, Lowen foca mais diretamente em criar a partir de sua experiência com Reich a sua própria leitura do trabalho energético realizado através do corpo.  Lowen, dotado de um pragmatismo notório, opta por chamar esta energia viva que observava ao trabalhar corporalmente com seus clientes de “bioenergia”.   

Lowen está pouco preocupado em “definir” o que seria esta energia, e mais interessado nas aplicação clínicas e terapêuticas dela.  A bioenergia seria simplesmente o produto derivado da respiração e do metabolismo humano, e a forma que essa energia se regula no corpo através da respiração e do movimento determinaria a forma padrão que uma pessoa responde as diversas adversidades da vida.  Ele pensava a energia como uma forma de compreender a personalidade e a história do desenvolvimento da pessoa.  Buscou desenvolver técnicas e exercícios que visavam expandir e trabalhar a regulação energética de cada cliente, e inclusive criou formas de trabalho corporal em grupo, os famosos “grupos de movimento”, como uma possibilidade de complementar a terapia individual.    

Se você acompanhou até aqui, pode estar se perguntando: “onde está a confusão na compreensão desta ‘energia’? Porque dentro da psicologia essas definições seriam um problema?  Dito de forma crua, pelo seguinte: o conceito de energia que estivemos explorando até agora, por si só, falta o rigor do método científico para ser validado e reconhecido.  Dos exemplos citados, foi Reich que tentou ir mais fundo na experimentação em laboratório em busca de formas de “provar” cientificamente suas teses sobre a energia, mas até onde sei ficou longe de atingir qualquer aprovação ou consenso no meio científico de sua época, inclusive por haver muito preconceito e desconfiança diante de seu trabalho.  Esta energia que lidamos e vemos na terapia gera um empenho contínuo dos psicoterapeutas corporais para não ser compreendida meramente como “conto da carochinha” em termos dos rigores exigidos pelas “hard sciences” , as ciências mais “duras” em termos de experimentação e rigor científico.  

Mas o que pode ser dito para trazer um pouco mais de validação ou respaldo para estes fenômenos energéticos que observamos no trabalho corporal?  É o que vamos explorar na parte seguinte deste texto!

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